Yasmin Jardim, mestranda em sociologia pelo Iesp-Uerj e pesquisadora do Grupo Casa.
Quando começa o carnaval? Festa determinada pelo calendário litúrgico da Igreja Católica, oficialmente o carnaval resume-se a terça-feira que antecede 47 dias o domingo de Páscoa. Contudo, abaixo da Linha do Equador, a festa da carne estende-se para muito mais do tradicional tríduo momesco (domingo, segunda e terça de carnaval). Para os foliões de blocos cariocas, por exemplo, o pré-carnaval começa logo após o ano novo, no primeiro domingo do ano. Já para os apaixonados pelas escolas de samba, a data pode até variar, mas já partir de outubro, tamborins, cuícas e surdos de percussão começam a embalar com muito samba subúrbios e favelas fluminenses, com as disputas de samba-enredo e, depois, ensaios de quadra, de rua e técnicos na Marquês de Sapucaí. No entanto, quando começa o carnaval para quem trabalha com a festa? Costuma-se dizer que na quarta-feira de cinzas, após a acirrada apuração, já inicia-se os preparativos do próximo carnaval, com novas contratações ou renovações dos inúmeros artistas que compõem os desfiles. Em julho, já é possível encontrar barracões e fábricas em plena produção de fantasias, carros alegóricos. Até o próximo carnaval, seja fevereiro ou março, centenas de trabalhadores, dispersos nos barracões da Cidade do Samba ou em galpões espalhados pelo Centro e Zona Norte da cidade, estão a pleno vapor. É curioso pensar que um desfile que dura cerca de 1 hora e 20 minutos demore 1 ano pra ficar pronto. E que logo após o fim do desfile, na dispersão da Sapucaí, todo aquele trabalho precisa ser reatualizado. Apesar do reconhecido esforço de botar uma escola na avenida de costureiras, esculturas, aderecistas, ferreiras, carpinteiros, dançarinos, cenografistas, indumentárias, dentre muitos mais profissionais, “veem o luxo na avenida e não sabem o que a gente passa”, me relatou um dos trabalhadores da Cidade do Samba, após o incêndio na fábrica Maximus. Faltando quinze dias para o carnaval deste ano, ocorreu um grande incêndio no prédio da fábrica em Ramos, Zona Norte do Rio. A empresa era responsável por fantasias de três escolas do grupo ouro: Porto da Pedra, Império Serrano e Unidos de Bangu. Em um ambiente cercado de matérias inflamáveis, estrutura elétrica comprometida e com pouquíssima ventilação, se tornou terreno fértil para o fogo tomar conta de fantasias. A improvisação nas formas de produção, unindo estratégias pouco seguras, toma conta e, por um descuido, levou a 20 trabalhadores feridos e um óbito. A reação de um dos trabalhadores da Cidade do Samba, que reuni os barracões das escolas do Grupo Especial, demonstra o sentimento recorrente de invisibilidade e desvalorização do trabalho artístico que faz “o maior espetáculo na terra". É importante lembrar que este não foi o primeiro e, infelizmente, não será o último incêndio em barracões de escola de samba. A promessa de uma segunda Cidade do Samba, na antiga estação de trem da Leopoldina, dentre muitas promessas, traz a expectativa de garantir condições melhores aos trabalhadores das agremiações da Série Ouro, famoso Grupo de Acesso, que ainda hoje não tem galpões fixos. No entanto, ao conversar com outros trabalhadores da Cidade do Samba, no dia do incêndio, eles relataram que, apesar de estarem no complexo de barracões da Cidade de Samba, um espaço visto como mais seguro, estes têm a estrutura muito similar à fábrica Maximus. Locais com pouquíssima ventilação, fios e extensões que contornam a mesa de madeira e os adereços de plásticos. Mesmo tendo o acompanhamento de diversos bombeiros, a estrutura física em que os trabalhadores passam horas a fio, na maioria das vezes ultrapassando 12 horas de trabalho, segue o mesmo. Não só as estruturas são precárias, mas o modelo de trabalho, quanto mais próximo ao carnaval, também é degradante, sendo comuns plantões de 12 a 24 horas. A inconstância dos fomentos, principalmente para as agremiações fora do Grupo Especial, também acirram a precarização do trabalho. “Como as subvenções [da Prefeitura e do governo estadual] são distribuídas e o distanciamento do Estado na produção de condições decentes para o trabalhador do carnaval constroem um ambiente propício à insalubridade e à precarização”, afirma Bruno Souza Lima, pesquisador da UFF (Universidade Federal Fluminense) em reportagem para a Revista Repórter Brasil. O sociólogo Mauro Cordeiro, em sua entrevista à Globonews no dia do incêndio, afirma que “não vem do contraste das belas fantasias e sim de toda uma estrutura de trabalho que é beneficiada dessa precariedade tanto na estrutura como no trabalho”.
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