Ana Clara Macedo, Caroline Gomes e Giovanna Lucio Monteiro, doutorandas em sociologia pelo Iesp-Uerj e integrantes do Grupo Casa.
São 30 km de obras e um recapeamento total. Vamos reforçar as laterais, e um muro em locais onde são considerados de risco. Um muro de 30 cm para que a gente possa garantir a segurança de todos que passam por aqui - fala de Cláudio Castro em entrevista para o G1. No dia 09 de agosto de 2023, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, anunciou a construção de um muro na Linha Vermelha — uma das principais vias expressas da cidade. A via possui 21,9 km de extensão e interliga os municípios de São João de Meriti e Rio de Janeiro, sendo um dos principais acessos para trabalhadores vindos da Baixada Fluminense, moradores das favelas do entorno, turistas e outros cidadãos do Rio de Janeiro. Sabe-se também que a Linha Vermelha é margeada por diversas favelas cariocas, como o Complexo da Maré. A principal preocupação pontuada pelo governador em sua fala é a segurança daqueles "que passam por aqui", mas nada é dito sobre aqueles que vivem ali - nos entornos da Linha Vermelha. Nesse sentido, o muro — que terá 30 cm de espessura — seria uma forma de impedir que "balas perdidas" de tiroteios nas favelas chegassem e atingissem a via expressa. Em sua rede social, o Instituto Fogo Cruzado questiona a validade empírica da construção de um muro na Linha Vermelha ao contrastar dados sobre o monitoramento de tiroteios das favelas do entorno. O Instituto apresenta que, em toda a sua série histórica 2018-2022, aconteceram apenas cinco casos de bala perdida na Linha Vermelha. Para além do descaso com a segurança da população que vive nas favelas, há também a produção de uma mobilidade diferencial para essas "duas populações" na cidade. De um lado, a preocupação com a mobilidade dos veículos da via expressa para que estes sigam seus caminhos diários sem a interrupção de tiroteios. Por outro, moradores de favela, que produzem diariamente a cidade, tendo que fazer os seus deslocamentos através de tiroteios, falta de transporte público e um racismo histórico que produz formas de cerco sobre esses territórios. Para além do estigma racista que circunscreve a mobilidade dos moradores de favela, percebemos a existência de várias barreiras físicas ao seu movimento. Como por exemplo, há somente uma única linha de ônibus que conecta o Complexo da Maré com a Zona Sul da cidade (Maré de Notícias, 2022). O muro representaria, neste caso, não só uma barreira às "balas perdidas", e sim mais um empecilho à mobilidade já friccionada dessa população. O que quisermos pensar, neste breve ensaio, é como o muro de Cláudio Castro suscita debates não somente a respeito da violência urbana, mas sobre como a cidade estabelece uma tensão irresolvível entre segregação e circulação de pessoas racializadas e pobres. Ao mesmo tempo que essas pessoas não são convidadas a serem integradas na cidade, percebe-se que a sua mobilidade é essencial à própria construção do urbano. Ao fim, entendemos que o Rio de Janeiro só existe e se reproduz como tal através da circulação desses mesmos indesejados. Como bem colocado por Marielle Franco: "O fato é que, se os “favelados” não “descessem” ou viessem para o asfalto para a execução de vários trabalhos, inclusive em serviços e residências dos setores médios ou dominantes da sociedade, a cidade praticamente pararia, pois a classe trabalhadora pertencente a esses espaços não ocuparia seus postos de trabalho" (FRANCO, 2014, p. 61)
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