Júlia Kovac, doutoranda em sociologia pelo Iesp-Uerj e integrante do Grupo Casa.
“A Olimpíada é nossa e o palco principal é a Barra” é o título de uma reportagem do jornal O Globo de dezembro de 2009[1]. A reportagem descreve que “mais do que trazer a esperança de o Rio voltar a crescer”, a escolha da cidade como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 significava, para o morador da Barra da Tijuca, a certeza de que a região seria alvo de pesados investimentos em infraestrutura, já que a região fora escolhida para ser o “coração dos Jogos”. O clima era de esperança e crença em um futuro glorioso para o bairro que, com os investimentos em infraestrutura proporcionados pelos jogos, cumpriria seu papel de representante do moderno e do progresso na cidade do Rio de Janeiro. No entanto, passado os Jogos Olímpicos, nem tudo que restou na região corresponde ao projeto de futuro para o bairro. Entre as grandes instalações esportivas, a Barra Olímpica convive com as ruínas dos jogos, como o condomínio Ilha Pura[2], e com ruínas de outros projetos de futuro que se acumulam no bairro. Esse percurso é justamente o tema do filme “A Conquista do Oeste”, recém lançado. Dirigido por Isabel Joffily e com o argumento de Mariana Cavalcanti e Julia O’Donnell, o filme percorre, de maneira não linear, os processos de urbanização em direção à Barra da Tijuca e, especificamente, à Barra Olímpica, frente mais recente de expansão do bairro. A construção narrativa e estética do filme visa demonstrar que a ocupação em direção à oeste se conecta com outras localidades e eventos históricos do Rio de Janeiro e do Brasil. As décadas de 1950, 1960 e 1970 são fortemente marcadas pelo discurso do progresso. O plano de metas de Juscelino Kubitschek, a construção de Brasília e, posteriormente, as grandes obras da ditadura militar, incorporaram em si a ideia de que a modernidade e o progresso estavam sendo construídos e encaminhavam o Brasil rumo ao futuro. No Rio de Janeiro, a tentativa de construção de um novo futuro moderno teve seu lugar na Barra da Tijuca. Com o sucesso do plano piloto de Lúcio Costa em Brasília, o bairro ganha seu próprio plano do arquiteto e urbanista, apostando no planejamento da região como forma de evitar que os erros do “velho” Rio de Janeiro não se repetissem no “novo” Rio de Janeiro. Nesse momento, Copacabana, que já fora ela própria a representação do futuro da cidade[3], representava o velho e caótico Rio de Janeiro que não deveria se repetir na Barra da Tijuca. Assim, a elite e seus projetos de futuro, junto com as muitas imaginações sobre o que deveria ser a Barra da Tijuca, rumam em direção à oeste. No entanto, apesar do discurso oficial vender que Lúcio Costa planejava a Barra da Tijuca sobre um imenso vazio, aquelas vastas porções de terra à oeste não estavam vazias e tinham donos. Assim, os grandes proprietários de terra e, posteriormente, o mercado imobiliário, marcaram profundamente todo o processo de urbanização da região pós plano Lúcio Costa, lançado em 1969. Como mencionei no parágrafo anterior, a elite acompanhou o processo de expansão rumo à oeste e, com o desejo de fugir da caótica zona sul, vemos pouco a pouco surgir algo que marcaria toda a paisagem da região: os grandes condomínios e toda a estética e simbolismo da vida entre muros[4]. Neste momento há uma intensa campanha do mercado imobiliário em vender a Barra da Tijuca como o “paraíso” e o lugar onde a heterogeneidade social que assustava na zona sul não estaria presente. O projeto mais ambicioso desta época era o condomínio Centro da Barra, batizado posteriormente de Athaydeville, em referência a Múcio Athayde, dono da construtora do condomínio. Ele reunia no projeto todos os grandes nomes do modernismo, como Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx e representava o futuro moderno que estava em construção na Barra da Tijuca. Contudo, do projeto de mais de 20 torres do condomínio, apenas uma foi finalizada e a outra, parcialmente construída, segue em ruínas e em meio a disputas judiciais daqueles que compraram suas unidades e nunca a receberam. Assim, num processo que se repete mesmo que com suas especificidades, voltamos ao início do texto e aos Jogos Olímpicos. Com um novo momento de profusão de grandes obras, impulsionadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento - PAC e a conquista do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos, os discursos de progresso, modernidade e futuro voltam a figurar entre as imaginações sobre a Barra da Tijuca. Entretanto, como da primeira vez, essas construções da Barra da Tijuca como futuro vem acompanhadas de ruínas dessa própria construção. O condomínio Ilha Pura é o principal representante deste arruinamento de futuro, pois, após 6 anos de seu lançamento, o gigantesco complexo de 31 torres segue vazio, praticamente desocupado. “A Conquista do Oeste” é um convite para que, mergulhando em imagens de arquivo, produções gráficas e documentais, possamos compreender a forma que tomou a Barra da Tijuca e seu estilo de vida característico dentro de processos mais amplos, que envolvem o reiterado esforço de produção de futuros tanto à nível nacional quanto e principalmente à nível local. Demonstrando, assim, que a construção da cidade do Rio de Janeiro e suas frentes de expansão passam pela ideia de que há sempre um novo futuro a ser construído na cidade. Ainda que este futuro seja “ainda em construção e já ruína”[5]. [1] A OLÍMPIADA é nossa e o palco principal é a Barra. Rio de Janeiro, Jornal O Globo, Caderno Globo-Barra, 24 dez. 2009, p. 13. [2] O condomínio Ilha Pura, das construtoras Carvalho Hosken e Odebrecht, recebeu este nome após a finalização dos jogos. Ele foi construído para abrigar os atletas durante os jogos e após a finalização da competição passou a ser comercializado. [3] Para detalhes deste processo, ver “A invenção de Copacabana”, de Julia O’Donnell (2013). [4] Para mais detalhes deste processo, ver a dissertação de Rodrigo Agueda, “Do Leblon ao Novo Leblon: experiências de fechamento e o processo de expansão urbana em direção à Barra da Tijuca (RJ)”, defendida em 2021. [5] Aqui me refiro à ideia de “ainda em construção e já ruína” à maneira que Mariana Cavalcanti a trabalha, em seu texto “Still construction and already ruin”, publicado no livro “Global Urbanism: Knowledge, Power and the City” (2021).
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