Marcelo Reis, mestrando em sociologia pelo Iesp-Uerj e integrante do Grupo Casa.
Em julho de 2021, a gestão de Eduardo Paes (PSD), por meio da Secretaria de Ordem Pública (SEOP), anunciou o início do projeto Ambulante em Harmonia, integrante do programa Rio em Harmonia. Na capa do diário oficial, no dia 6 daquele mês, dizia-se que a meta era “equilibrar a convivência entre lojistas, ambulantes e feirantes”. Em seus primeiros meses, a iniciativa teve ações em bairros como Bonsucesso, Centro, Catete, Ilha do Governador e Méier. Três décadas antes, o prefeito Marcello Alencar (PDT) sancionou a Lei nº 1876/1992, cujo texto legal dispunha o perfil (“deficientes físicos” e “carentes”), regularidade (“atividade profissional temporária”), instrumentos (“veículos”, “tabuleiros”, “cestas”, etc) e locais, divididos por Região Administrativa, em que a categoria camelô se aplicaria. Este dispositivo foi alterado pela Lei nº 6272/2017, já na gestão de Marcelo Crivella (PRB), com a retirada do caráter temporário e mudança do perfil dos possíveis ambulantes. Manteve-se a tentativa de controlar por diversos meios o comércio feito nas calçadas, ruas, calçadões e praças cariocas. O projeto Ambulante em Harmonia distribuiria barracas e concederia licenças para aqueles ambulantes que não estivessem regularizados. Essa perspectiva harmônica da prefeitura, contudo, não se encontrou em ações envolvendo a SEOP, Guarda Municipal e membros de Subprefeituras. Conflitos entre agentes públicos e camelôs foram registrados no Méier, Taquara e Tijuca. Entre os casos, denúncias de agressões, reivindicação do direito ao trabalho e alerta para o confisco dos materiais de camelôs. Associações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento Unido dos Camelôs (MUCA) criticam o projeto desde sua concepção. De Cross (1998), na Cidade do México, a Rabossi (2011), na Ciudad del Este, as Ciências Sociais vêm se debruçando sobre os conflitos e negociações envoltas no comércio informal. A ordenação do espaço urbano e a tentativa de regular os camelôs perpassam diversas épocas e países. O comerciante ambulante pode ser visto como um agente que transita entre esses mundos informais, formais, legais e ilegais. O vendedor presente na rua pode ter seu ponto regular ou irregular perante à Prefeitura, além da possibilidade de alugar o ponto de alguém autorizado a vender naquele lugar. Há também aqueles que trabalham sozinhos, em duplas ou que até mesmo contam com funcionários. A gestão e organização desses espaços comerciais transcende as normas municipais sobre produtos, estruturas e lugares para a prática ambulante. A manutenção de políticas públicas e legislações que não dialogam com os vendedores de rua demonstra a perspectiva restrita da Prefeitura na gestão do espaço público. Essa ação municipal não parece, mais uma vez, levar em conta as peculiaridades do comerciante de rua, apenas colocando em prática mais uma ordenação pouco ampla do cotidiano urbano.
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