Paulo César Limongi de Lima Filho, doutorando em sociologia pelo Iesp-Uerj, integrante do Grupo Casa e bolsista Capes.
Durante toda a década de 1940, e após um século fechada em si mesmo, a Igreja católica resolveu se abrir novamente à sociedade. Antes dessa época, tal instituição passou por um processo chamado Romanização, esse pequeno momento da história da igreja brasileira foi uma reaproximação das regras eclesiásticas perpetradas e sancionadas pelo Vaticano, em Roma (MAINWARING, 2014). Em outras palavras, a Igreja brasileira se distanciou da chamada religião popular e resolveu adotar um protocolo muito estrito do que poderia ser considerado parte do catolicismo. Fato que esses conjuntos de reformas romanizadas permitiu que a instituição responsável por essa religião em voga pudesse alargar suas estruturas e ampliar seu escopo de atuação. A melhoria das relações com Roma permitiu à Igreja no Brasil ampliar sua própria divisão do trabalho interno, com mais padres devidamente “escolarizados”. Porém, os próprios representantes da religião – principalmente Dom Vital –, perceberam a queda no número de fiéis e promoveram algumas pesquisas sobre esse acontecimento. O diagnóstico proveniente delas era preciso: um afastamento da sociedade com um todo. Mesmo com uma liturgia, ato de conduzir o ritual religioso, ainda muito engessado, com uma missa em latim, a Igreja foi caminhando lentamente para abertura à sociedade brasileira. Na década de 1960, um evento de grande importância – o concílio vaticano II – acelerou esse processo. O papado, à época, acreditava que a Igreja deveria se concentrar na realidade que estava inserida. Assim, a Igreja, por bem ou por mal, teve de olhar o Brasil que estava à sua frente e forjar meios de comunicação com aquela sociedade. Foram diversas iniciativas as quais tiveram como objetivo retomar esse convívio entre religião e sociedade, como as juventudes católicas (universitárias, operária, agrária), o movimento de educação de base e as Cáritas-instituições de luta por direitos humanos. Todavia, essas iniciativas ficaram, em vários momentos, ofuscadas pelas Comunidades Eclesiásticas de Base, as chamadas CEBs. Ruth Cardoso, em um pequeno texto sobre o assunto, chamado As duas fases de uma experiência (1982), constatou que os teóricos das ciências sociais enxergavam nas CEB um potencial de emancipação e ruptura em relação ao desenho político proposto até então. Mas, então, o que eram essas grandes ferramentas de emancipação social e política promovida pela igreja católica? Antes de mais nada, é preciso dizer que as CEBs não eram nada mais, nada menos, que pequenos grupos de discussão de textos bíblicos. Um animador ou animadora, que poderia ser alguém da comunidade que era letrado, ou até mesmo o padre, era convocado a fazer uma leitura da bíblia e, em conjunto com outros companheiros, iriam discutir como aquele pequeno texto poderia refletir a realidade dos indivíduos ali presentes. De primeira, por meio de uma lente um pouco mais crítica acerca dos processos sociais, o cientista poderia dizer que isso parece não corresponder a qualquer expectativa, no sentido de transformação da realidade daqueles povos, extremamente empobrecidos. Contudo, as CEBs permitiam, devido a sua própria formação, a criação de vínculos políticos e de solidariedade dos participantes. Ao perceberem que o problema de um dado indivíduo, como falta de água, era algo comum entre os demais, os membros das CEBs se organizam em grupos que lutariam por tais direitos ainda a serem conquistados. Essa pequena solidariedade ajudou a compor diversas fileiras de partidos e movimentos sociais, construindo uma base orgânica que aliava a igreja e a luta por direitos urbanos e sociais. Talvez, como uma consequência não intencional da ação, dentro de um governo militar que exterminava movimentos de oposição, as CEBs se tornaram, mesmo que em um contexto da micro-política, um dos grandes canais de participação na arena das decisões sobre recursos. Em Nova Iguaçu, as CEBs ajudaram a dar força e escopo para um grande movimento urbano, o chamado Movimento de Amigos do Bairro, MAB. Inicialmente, o MAB começou no bairro de Cabuçu, afastado do centro da cidade, em um posto de saúde. Dois funcionários deste local, ambos médicos, decidiram formar um movimento para melhorias das condições de trabalho nos locais de atendimento a moradores da baixada. Em concomitante, os responsáveis pelo então novo MAB se intercruzam com a Igreja no âmbito da Cáritas e das CEBs. A partir daí, o MAB ganhou um volume surpreendente, trazendo cada vez mais as questões que se faziam presente no dia a dia do cidadão baixadense. Vale frisar a participação das CEBs e do MAB nas ocupações do bairro BNH, hoje pertencente à Mesquita, e à Nova Iguaçu na época, onde diversos moradores se negaram a abandonar seus imóveis ao receberem ordem de despejo devido a pagamentos atrasados ao Banco Nacional de Habitação. Uma outra ocupação nasceu no bairro de Japeri, também na Baixada. Em vários momentos políticos, as CEBs foram responsáveis por desenhar uma parte do mapa político de determinadas regiões. Iffly (2011) aponta para a grande influência das CEBs na eleição de Luíza Erundina para prefeita de São Paulo. Com a chegada de um papado mais conversador e a ascensão de Joseph Ratzinger (Bento XVI), esse canal de comunicação entre Igreja e política local foi terminantemente fechado, uma vez que, para ele, elas representam a infiltração marxista na Igreja. Porém, é preciso dizer que, durante o processo de redemocratização, no qual os movimentos e partidos já não precisavam da proteção e recursos da Igreja, se propôs uma separação e agora eles passariam a ser secularizados. Fato é que não se pode extinguir a relação entre Igreja, comunidade e política. Em 2018, era notório que Bolsonaro estava aliado a grandes igrejas pentecostais e demais denominações, com pautas conservadoras e reacionárias. O presidente terrivelmente evangélico soube se aproveitar do vácuo político deixado pelas antigas CEBs e pela Igreja Católica mais progressistas. Não apenas em um contexto macro, como em um contexto micro, as várias igrejas pentecostais nas periferias do Rio de Janeiro se juntaram à cruzada contra a ideologia de gênero, em pró da educação tradicional, com respeito à família e a Deus. No que se refere à relação entre política e religião, como nos diz Criolo, sabiamente, o anzol da direita fez a esquerda virar peixe.
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