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Da baía de todos os santos à baía de guanabara: território e identidade na mercantilização de lugares

11/8/2022

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Jéssica Lôro e Soraia Silva, doutorandas em sociologia pelo Iesp-Uerj e integrantes do Grupo Casa.

Ao chegar no Largo de São Francisco da Prainha, lugar por onde passaram grandes figuras da cultura popular musical brasileira como Heitor dos Prazeres, Donga e Pixinguinha, se observa um movimento intenso de clientes e transeuntes ao redor das mesas dispostas ao longo do Largo, situado a poucos passos da Pedra Sal - quilombo urbano e lugar de tradicional roda de samba. Em volta da estátua de Mercedes Baptista, primeira bailarina negra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e considerada a grande precursora do Balé e da dança afro brasileira,  circulam os atendentes do bar Bafo da Prainha vestidos com camisa listrada nas cores azul, vermelho e branco em referência ao time baiano, o Bahia. Do lado esquerdo do Largo, um tabuleiro da baiana, de axé e profissão, vendendo acarajé, bolinho de estudante e cocadas. Ao caminhar pelo Largo em direção à Rua Sacadura Cabral, chegamos ao Restaurante Dois de Fevereiro: onde o Rio é mais baiano "para cariocas do Mar e do Sertão", em referência à festa de Yemanjá, uma das maiores manifestações cultural e religiosa afro brasileira, que acontece no dia dois de fevereiro, no Rio Vermelho, bairro boêmio da capital baiana, Salvador. 

Este lugar, marcado pelo encontro das Baías, a Baía de Todos os Santos e da Baía de Guanabara, se materializa neste pequeno reduto da Pequena África carioca (termo denominado pelo compositor Heitor dos Prazeres na década de 1920). A “Pequena África”, território de simbolismos e afetividade, está localizada entre a zona do cais do porto até a Cidade Nova, e é considerada berço de acolhimento do samba e ponto de encontro entre a Bahia e o Rio de Janeiro. No contexto de modernização da cidade, foi marcada por relações de vizinhança, religiosidade, arte, solidariedade, trabalho e consciência, sendo predominante a cultura negra oriunda da experiência da escravatura. Para Moura (1995), a consistência das tradições e a força dessa geração propiciou uma identidade negra atuante no Rio de Janeiro moderno. 
A história da Pequena África está imbricada com a  chegada das "tias baianas", Ciata, Amélia e Rosa, que migraram do Recôncavo baiano e formaram um dos principais núcleos e organizações para as comunidades locais, garantindo a permanência das tradições africanas - na culinária, no candomblé e nas festividades.  

As "Tias Ciatas", como escrito na canção de Caetano Veloso - Onde o Rio é mais baiano -, estão relacionadas com o "mito" do surgimento do samba, afirmando assim a importância dessas mulheres na cultura popular brasileira e na construção da identidade memorial entre Rio-Bahia - "A Bahia/ Estação primeira do Brasil/ Ao ver a Mangueira, nela inteira, se viu/ Exibiu-se sua face verdadeira/ Que alegria/ Não ter sido em vão que ela expediu/ As Ciatas pra trazerem o samba pra o Rio/ Pois o mito surgiu dessa maneira". 

A relação entre o Rio de Janeiro e a Bahia é historicamente conhecida, na literatura, no imaginário, bem como na música popular brasileira. 
"O samba foi morar onde o Rio é mais baiano" verso presente no samba enredo “As Áfricas que a Bahia canta”, escrito por Lequinho, Junior Fionda, Gabriel Machado, Guilherme Sá e Paulinho Bandolim e cantado por nomes como a baiana Margareth Menezes - é o atual vencedor da disputa de samba enredo da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. A narrativa enfatiza a importância do protagonismo feminino e dos cortejos afro na construção de visões sobre a África na Bahia. Este movimento de (re)africanização no Brasil,  teve seu auge entre os anos 1970, sendo alguns de seus principais marcos a criação da escola de samba Zumbi dos Palmares no Rio de Janeiro e na Bahia, com o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do país.  

As duas cidades aqui mencionadas também apresentam como ponto de aproximação o fato de serem cidades históricas brasileiras, fundadas no século XVI, e antigas capitais do Brasil. As transformações urbanas pautadas na valorização da herança histórica data do final do século XX, em contraposição às reformas anteriores marcadas pelo ideal de progresso e modernização. A revitalização do Pelourinho (BA) e o projeto Porto Maravilha (RJ) são exemplos dessas transformações que tiveram o intuito tanto de lucrar com o turismo, quanto de preservar a identidade histórica. Assim, a memória urbana é um importante elemento para pensarmos a construção da identidade desses lugares, bem como a circulação de dinheiro na cidade paisagem. 
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Entre lembrar e esquecer, a Pequena África carioca como mercadoria se torna objeto de encantamento e nela se comercializa o que a história apagou, ou seja, vende-se a memória histórica e cultural da diáspora afro-baiana. Na fala de uma artesã carioca, comerciante do Largo da Prainha, afirma: "A Bahia invadiu o Rio". O Largo da Prainha como um dos pontos de grande circulação do circuito turístico carioca é interessante para pensar nas disputas que estão envoltas na apropriação desse lugar de memória, seja no sentido de estabelecer laços de pertencimento e afeto, e/ou no sentido de se apoderar do espaço para a  mercantilização do seu capital simbólico.

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