"De volta à culpabilização dos pobres": o desmonte do Bolsa Família e o novo Auxílio Brasil8/9/2022 Ananda Viana, doutoranda em sociologia pelo IESP-UERJ e integrante do grupo Casa
Sob uma bandeira anti-políticas de assistência social, pautada principalmente em narrativas de que a transferência de renda “acomoda” quem a recebe, o governo Bolsonaro, em 2021, começou o desmonte da política social com o objetivo de retirar a marca do governo petista sobre o Bolsa Família. Na tentativa de deixar uma marca em seu governo, o fim do Bolsa Família e a criação do Auxílio Brasil foi feito sem um diálogo direto com os principais pesquisadores e especialistas na área e sem um embasamento técnico e com discussões sérias sobre a condição de desigualdade socioeconômica no Brasil. Como destacado por especialistas no artigo da Folha de São Paulo, a Medida Provisória nº 1061, que cria o Auxílio Brasil, visa reduzir o papel do Estado nas políticas públicas e assume um caráter majoritariamente eleitoreiro, já que sua vigência e financiamento têm previsão de duração até dezembro de 2022, justamente após as eleições deste ano. Afirmando que o Auxílio Brasil seria um “Bolsa Família melhorado”, e enfocando principalmente o aumento no valor do benefício (que seria de até 50% em relação ao seu antecessor), o governo Bolsonaro buscou na política social uma forma de manter sua popularidade, que já havia se mostrado em queda desde o ano passado. Mas, se o governo federal substituiu a política de transferência de renda, aumentando também o seu valor, por que falamos, então, de desmonte do Bolsa Família? Em primeiro lugar, o novo Auxílio Brasil não possui clareza e transparência sobre suas novas atribuições e regras. A partir do Auxílio Brasil, outras nove modalidades de benefício foram criadas dentro da própria política social, benefícios que segmentam a entrada do público alvo e fazem os próprios benefícios competirem entre si. Ou seja, são benefícios com objetivos diferentes competindo pelo mesmo orçamento, sem mostrar possibilidade de resultados concretos – os penduricalhos, como foi chamado pela matéria na Revista do Piauí. Tais benefícios não são integrados, contrariando uma das principais premissas do BF (de unificar políticas sociais com objetivos semelhantes em um só Programa de transferência de renda), eles também funcionam a partir de uma lógica meritocrática. Tais benefícios secundários são “prêmios” direcionados a quem se “esforçar” mais para conseguir e se manter um emprego e em ter um bom desempenho na escola e nos esportes, ignorando que, quando tratamos de extremas pobrezas e vulnerabilidades, a régua da meritocracia não nos cabe. O novo Auxílio Brasil, da forma com que foi formulado, parece não levar em conta a estrutura da desigualdade social e coloca na conta dos próprios pobres a culpa por suas situações sociais e econômicas e postula sua solução a partir de um esforço individual. E também coloca como “solução” para a pobreza o incentivo ao empreendedorismo como uma possibilidade de “porta de saída” ao benefício, sem, contudo, estimular a entrada dessas famílias ao mercado de trabalho formal. Uma outra questão também chama a atenção e preocupa especialistas, como a possibilidade de comprometer até 30% do valor do benefício recebido com a contratação de empréstimos consignados (com taxa de juros de até 79% ao ano), podendo levar famílias que já estão em situação de vulnerabilidade econômica a endividamentos, contrariando a premissa básica das políticas de assistência social: garantir uma renda mínima às famílias. Além destes, outro problema do nosso Auxílio Brasil é referente ao seu alcance. Apesar do aumento de valor, um número muito reduzido de famílias será beneficiada, mesmo estando dentro dos critérios de elegibilidade. De acordo com a Rede Brasileira de Renda Básica, cerca de 29 milhões de pessoas poderão ficar sem receber o benefício, o que não resolve o antigo problema do BF em lidar com as longas filas de espera para o cadastro de novas famílias. Os gestores do novo AB também não buscaram corrigir os problemas operacionais e de implementação do Auxílio Emergencial em sua vigência e não criaram uma transição dos dados das famílias que receberam o AE para o CadÚnico - instrumento de cadastro de famílias de baixa renda em políticas de assistência social, principal e mais importante instrumento de identificação de famílias em situação de vulnerabilidade e de controle e fiscalização das políticas sociais. Pelo contrário, retiraram o CadÚnico como peça fundamental e colocaram como novo instrumento um aplicativo, que traz uma série de problemas e dificuldades de manuseio pelos usuários, prejudicando também a relação pessoal que se tinha entre beneficiados e assistentes sociais. Um grande exemplo disso são as dificuldades de acesso ao aplicativo, as instruções confusas e desconexas e as enormes filas que vão sendo criadas nas portas das lotéricas e bancos da Caixa Econômica Federal. O Programa anterior tinha como um de seus princípios básicos a sua descentralização, retirando a centralidade de implementação, administração e fiscalização do governo federal e compartilhando tais responsabilidades com os governos estaduais e municipais. O objetivo do governo federal com o novo Auxílio Brasil é centralizar sua administração na esfera federal e desarticular o diálogo que se tinha com os demais governos, o que pode levar a sérios problemas de operacionalização, já que a linha de frente para o cadastro, recadastro e fiscalização do cumprimento das condicionalidades postas às famílias era executado principalmente pelos CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) dos municípios. Tal centralização também desarticula a política social com a atuação do SUAS – Sistema Único de Assistência Social. O Bolsa Família, ao longo de seus 18 anos, constituiu-se como uma política de Estado, que garantia sua permanência e seus principais objetivos de forma independente do governo federal em vigência. O novo AB nos parece ser um dos passos do atual governo para o desmonte da previdência social, para a transformação de uma política social bem consolidada e para a desarticulação das políticas sociais - atingindo fortemente o público principal que mais precisa do acesso facilitado às políticas sociais as quais estão dentro dos critérios de elegibilidade: os mais pobres. Por conta disso, afirmamos e enfatizamos: o Auxílio Brasil não é um Bolsa Família melhorado.
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